sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Sexta-feira, eu te amo

Eu na sexta-feira
Eu gosto da sexta-feira porque ela é o anúncio de um futuro de coisas boas. Porque coisa boa, por exemplo, é o sábado e o domingo sem obrigações, estilo ócio criativo ou só o ócio pelo ócio mesmo. Não ter nada pra fazer é muito filosófico, além de horas livres, exige desapego e consciência de que é bom, é bonito e pode ser barato.

Eu gosto da sexta-feira porque sexta-feira é um estado de espírito. A sexta-feira tem um quê espiritual, sabia? Porque pra apreciar toda a plenitude de uma sexta-feira você precisa se concentrar no momento presente e viver o que tiver de ser. Só que você vive o agora sempre com a perspectiva de que amanhã será um dia muito melhor, igual Ano Novo. É isso mesmo, a sexta-feira é um Ano Novo toda semana.

A sexta-feira também te ensina a ser o seu melhor, porque, sabe, é preciso amar as pessoas como se elas fossem sexta-feira. E a gente sabe que nem todo mundo é tão legal como uma sexta-feira, mas mesmo assim você acorda toda sexta-feira com aquele pensamento positivo, de que tudo vai ser melhor pelo simples fato de... ser sexta-feira.

A sexta-feira também pode ser considerada como uma meta de vida semanal. Como eterno insatisfeito, o ser humano precisa de objetivos. E a sexta-feira é sempre uma meta possível, ela sempre vai chegar, ela é eterna porque sempre existe. Ela muda de nome dependendo de onde você estiver no planeta. Na França, ela é vendredi, nos países hispânicos, ela é viernes. Mas não importa, é a sexta-feira, ela está lá pra você.

É preciso aproveitar todos os tons de uma sexta-feira. Sexta-feira é igual a tudo na vida: não é só preto no branco, tem todos aqueles tons de cinza. Sexta-feira pode ser tudo o que você quiser, porque, você sabe, né, que é sexta-feira.



segunda-feira, 8 de julho de 2013

Uma questão de pisada


A marca da pisada, aquela marca que fica no solado do sapato, às vezes pra dentro, às vezes pra fora, era, segundo ele, característica da personalidade da pessoa. Julgava o caráter pela pisada. Por exemplo, se a pisada é pra dentro, com a sola gasta na parte interna do pé, a tal da pisada pronada, o camarada (ou a camarada) tem problemas de relacionamento porque, provavelmente, é excessivamente recalcado e tem muito sentimento guardado ao longo do tempo. E quando explode, explode.

Ainda segundo sua avaliação de personalidade, a pisada pra fora, que chamam de supinada e deixa o solado todo gasto do calcanhar pra fora, proporciona ao proprietário um temperamento muito extrovertido, mas também de gostos e amores fulgazes, que se esvaem no mesmo tempo de duração da fragrância de um perfume francês, em algumas horas.

Ainda tem a personalidade neutra, igualzinha à pisada neutra, que não é nem pra fora e nem pra dentro, é meio termo. Pessoas assim, ele dizia, não são muito confiáveis, porque podem mudar de lado ao sabor do vento e vento também não é lá muito confiável porque muda de lado o tempo todo.

Tem gente que ganha a vida com a leitura de cartas, leitura de mãos, leitura da borra de café. Ele, não, porque não gostava de adivinhação. Ganhava a vida analisando sola de sapato e os detalhes sórdidos dos desgastes quase invisíveis. Claro que a avaliação não era preto no branco. Nem toda pisada pra fora era de personalidade fulgaz e nem toda pisada pra dentro era um recalcado por completo. O segredo do estudo perfeito da personalidade era achar desgaste por desgaste no solado, somá-los à pisada e então fazer cálculos até chegar ao raio-X da pessoa.

Seus amores e amigos eram medidos pela sola do sapato de cada um. Igual a dentista, que avalia a pessoa pelo sorriso. Um dia, no elevador do prédio onde morava, conheceu uma mulher bonita, bem vestida, com um quê de sofisticação yuppie, um perfume arrebatador e um sorriso que iluminada o quarteirão. E era muito simpática. Encontrou-a todos os dias no elevador durante uma semana. Empolgou-se, mas nesse meio tempo analisou o salto da moça – superficialmente, porque não teve como ter contato com o solado de forma exclusiva – e então desistiu de qualquer cantada. A sola do salto revelava que uma mulher ciumenta em excesso, disciplinada em excesso, mas completamente desarvorada no quesito dinheiro. Mulher ciumenta, neurótica e gastadeira não era seu perfil de mulher favorita. Partiu pra outra sem nem tentar.

Para amigos, preferia os de pisada pra fora, porque antes um amigo fulgaz do que um deprimido pra sempre. Fugia das pessoas com pisada neutra porque eram muito difíceis de lidar, o estresse para saber o que estavam pensando ou sentindo cansavam-no antes mesmo de conhecê-los.

Na Páscoa passada, adoeceu, sabe-se lá do quê. Passou 15 dias internado no hospital, vivendo de soro e antibióticos. Recebeu algumas visitas, todas dos amigos de solas neutras, que não eram muitos já que descartava quase toda sola neutra que via. Alguns clientes desesperados também foram visitá-lo, a maioria na esperança de encontrar o grande amor ou a fortuna pela sola de um sapato.

Num desses dias, um cliente que estava completamente apaixonado por uma sola louca, intempestiva e inconsequente, perguntou:

Você já analisou sua sola alguma vez?

- Uma vez... - respondeu.

- E então?! - o cliente perguntou, não querendo se intrometer na intimidade, já se intrometendo.

- Então o quê? - fez-se de desentendido.

- Então, como é sua sola? Que personalidade é a sua? - insistiu o cliente.

- Minha sola é comum, igual a várias outras por aí – desconversou.

Mentira. A sola dele era um achado. Nunca tinha visto sola mais controversa, porque era uma coisa e imediatamente o seu contrário. Não conseguiu explicar porque sua pisada parecia dar uma volta completa no solado e isso indicava que não era estável, tinha mania de certeza e julgamento em excesso. Não era apegado, mas também não se desapegava de certas certezas. Não gostava do certo, mas se afastava do incerto.

Ao estudar o próprio solado ficou tão confuso que desistiu. Nunca tinha errado uma avaliação, mas também nunca tinha tentado conhecer aqueles e aquelas cujas solas de sapato não condiziam com sua avaliação para saber se estava certo, ou errado. Não tinha conquistado um grande amor, porque nenhuma sola era perfeita. Já tinha até se apaixonado, mas pisadas imperfeitas e complexas o afastavam.

Saiu do hospital e continuou atendendo na Rua Miguel de Lourdes, nº 31, Centro. A placa na fachada dizia: “Personalidade é uma questão de pisada. Traga a sua.”


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Decifra-me ou te devoro

- Pára! Assim tá devorando meu coração! - gritou ela, num desespero de animal ferido. Os animais selvagens, quando feridos, ficam ainda mais ferozes. E os leões, quando acham o coração, o devoram vagarosamente, saboreando a carne macia e suculenta, devorando também todos os sonhos e sentimentos guardados. Então ele perguntou o porquê. -Me deixou aqui só com as lembranças... - respondeu ela, com o rosto entre as mãos, a voz embargada e o coração já devorado. Primeiro vieram as lembranças perfumadas, depois as selvagens e só então as torpes. Ela só gostava mesmo das lembranças ferozes, com beijos vorazes. Mas, uma vez devorado o coração, as lembranças ficavam junto com os ossos. Só os restos. - Não te devoro o coração. Te devolvo uma história – argumentou ele. Ela, com os olhos tão vermelhos, meio fera ferida, disse: - Ninguém gosta de história pra boi dormir. Me devolva os sonhos, todos eles. Ele foi embora em silêncio, sem nem se despedir. Ela ficou ali, pensando no mistério dos leões e sua fome de corações.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Amém

O medo que eu sentia do escuro, não sinto mais. Agora, peso menos que uma pluma e flutuo por aí, olhando os sorrisos e as lágrimas, as canções e os gritos de vocês que passam. Sou toda coração e alma ou alma-coração, se é que se separam. Permaneço, agora, nesse momento tão curto e sem fim de paz. Amém.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Para Eruza, com amor

Eu prefiro azul; ela também. Eu sou agoniada, respondona e me arrependo de ser tudo isso logo em seguida; ela também. Eu prefiro ser discreta; ela também. Meu aniversário é no 7 de outubro; o dela também. Não fosse a idade – eu sou mais velha – a gente brincava que seríamos a mesma pessoa, “duas almas gênias”, ela costumava falar. “Aline, quando eu for ficando mais velha, vou ficar igual a você. Então melhora?”, perguntava ela. “Melhora, Eruza, porque a vida dá umas cacetadas bem duras, aí não tem jeito de ficar pior, fica melhor”, eu respondia. E ela ria, ria, daquele jeito dela, com uma gargalhada que valia por um abraço. Nos tornamos amigas por causa de uma pipoca Nhac e depois disso não nos desgrudamos mais, porque eram tantos gostos, temperamentos e ideias compartilhadas que dava mesmo a impressão de sermos a mesma pessoa... e não é reconfortante encontrar a si mesma, assim, cara a cara, de forma tão simpática?! Minha amiga, foi uma grande honra viver ao seu lado. Grande mesmo. Você me mostrou o quão melhor a gente pode ser todo dia e, por isso, muito obrigada. Você me reconfortava só por existir. Gargalhe aí no céu, porque eles vão gostar. E não fique agoniada, seu rastro aqui por esse planeta deixou eternidade entre nós. Te amo <3.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Love Story



Viu um perfil de mulher, muito delgado, talvez até bonito, levantar a mão para passá-la carinhosamente na nuca do homem, que dirigia. Não podia ver o rosto do homem mas imaginou que sorria distraidamente enquanto recebia o afago daquela mulher. Destrinchou a cena minuciosamente e viu ali uma história de amor.
Pensou que aquela mulher, tão longilínea e misteriosa, com um nariz tão proporcional ao queixo e à boca que parecia perfeito, acariciava a nuca do homem de olhos fechados, com um prazer calmo e quente. Da mulher, ainda que de perfil, sabia-se que estava apaixonada.
Imaginou a paixão arrebatadora, as descobertas um do outro, os sorrisos involuntários, os corações disparados até chegar àquele gesto carinhoso. Imaginou as conversas pelo telefone até de madrugada, os cartões escondidos nas gavetas, as poesias enviadas por SMS, os e-mails ansiosos, as revelações compartilhadas.
A história de amor acabou quando o sinal abriu. Então continuou seu monótono trajeto naquele trânsito desanimador de um dia chuvoso.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Minha alma é hippie


Minha alma é hippie, danço de pés descalços e flores nos cabelos, sorrio para o sol, os pássaros me agradecem, me inebrio com o perfume da vida, choro as lágrimas da chuva, meu corpo é leve, pertence ao planeta...
E acordo ao som de "When the moon is in the seventh house" às alturas...será que ao som de Rocky, o Lutador, eu viro boxeadora?